quinta-feira, 17 de maio de 2018

Rascunho de um caderno antigo


Seus olhos evitaram os meus, como já é de costume entre nós dois. Mas o seu corpo me aceitou bem e me respondeu com amor. Em cada pequeno gesto, um pouco do que ficou.

Seu gosto já não é mais o mesmo, ficou claro que muita coisa mudou. Mas por baixo do toque, da barba e cabelos; por trás desse nosso olhar fugitivo que tanto evita o outro e de todas aquelas palavras não ditas, ainda tem você. E ainda tem eu.

Não encontramos nenhum nós, parece que o ele se perdeu, evaporou. Já até começamos a duvidar se um dia ele realmente existiu... Será mesmo? Mas eu avisto claramente, com aquela nitidez mil, um pouco do que poderia ter sido - e não foi.

Nessa fragilidade da vida, onde tudo se esparrama pelo chão num piscar e as possibilidades vão escorrendo pelos dedos ainda que fechemos as mãos com força, pois elas vão encontrando as brechas; os átomos se dividem, se adaptam; e passam, viajam, deslizam. E o que era não é mais. O que podia ser, idém. Já não pode mais.

Mas sempre fica alguma coisa no ar, naquela risada conhecida, com som de lar. Fica na barba embaraçada que arranhou outrora a minha pele - sensível que só ela, mas que adorava isso. Fica nos gestos confusos por insegurança e desejo - quase encabulados, mas intensos como nunca. Fica nos nossos olhares fugitivos que só confirmam que, realmente, muita coisa ficou. Cravada, tatuada, entre você e eu.

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