terça-feira, 28 de janeiro de 2014

O último cigarro

Ela estava num bar papeando com alguns amigos. Palhaça, contava uma história atrás da outra - e uma mais absurda que a outra. Era o seu jogo, adorava ficar na dúvida sem saber se os outros riam dela ou com ela. E se fazia de sonsa, em tudo. Sabia como manipular cada um à sua maneira. Pesava cada detalhe, cada pinta, cada toque. E a fórmula sempre dava certo. Resultado? Uma legião de apaixonados e doidinhos da cabeça. Ela gostava.

De repente, ele chega. Conhecia um dos amigos dela e acaba sentando na mesa. Ela e ele já se conheciam já anos, amigos de amigos, mas nunca haviam ficado. Não que não tivessem tido vontade, a tensão sexual entre eles era evidente, mas ele sempre tava namorando. Ele, sério quando namora. Ela, séria com os que namoram, não acha legal ficar com cara comprometido, então nem provocava. Mas dessa vez não, ele estava solteiro.

Ela logo percebeu porque ele estava se comportando diferente, mais solto. Ela continuou com as suas histórias e ia chegando cada vez mais gente para escutá-las e rir (seja da garota ou com a garota). Ele ficou falando dos planos para o futuro, perguntando dos dela e dos amigos em comum dos dois. Se ela tinha notícias deles. Ela foi respondendo e entrando no jogo. Começou a olhá-lo muito fixamente nos olhos. Passava a mão esquerda suavemente pelo próprio pescoço enquanto isso. Pegou um cigarro, acendeu, puxou e tragou. Lentamente. Sem pressa. Mordia os lábios de temps en temps. Levantou-se tomando cuidado com os movimentos e se aproximou por trás, apoiando as mãos sob o peitoral dele. Isso tudo para dizer que ia ao banheiro. Ele já estava excitado e não conseguia disfarçar muito bem o transtorno que a menina estava causando em sua cabeça. Se adiantou e foi pegar uma cerveja enquanto ela estava no banheiro. Ela saiu, ainda mais bonita. Ele a esperava na porta com a cerveja gelada e com o copo extra. Ela riu, aceitou o copo e disse que pagava a próxima então. Ela disse para voltarem para a mesa e o pegou pela mão, carinhosa. Ele largou a mão e apertou a cintura dela, enquanto passavam pelo corredor que dava acesso à área com as mesas. Ela ia na frente. Fechou os olhos e suspirou. Chegando na mesa, sentou-se prestando atenção nas pernas, na postura, no sorriso, nos cabelos... em tudo. Queria estar irresistível para ele. E, de fato, estava.

Passados uns 10 minutos de conversa fora com o resto do pessoal, ela disse que iria lá fora no posto atrás de um cigarro. Ele disse que a acompanharia. E foram. Já sabiam que não voltariam para o bar naquela noite.

Pela rua, andavam lado a lado com o assunto afiadíssimo, numa intimidade súbita que surpreendia ambos. E, então, ele lembrou que ainda tinha um cigarro. Pegou no bolso e entregou pra ela. Ela aceitou, sorriu e apoiou-se num murinho de uma casa antiga que ficava nessa mesma rua. Ele, na sua frente. Ela apoia um dos pés no murinho, deixa a alça direita do vestido cair pelo seu ombro e acende o cigarro com calma, ora o encarando, ora olhando para o céu, para baixo, para frente. Sempre confiante.

Ele pára de falar. Apoia-se no poste que ficava logo à frente e curte esse momento, observando cada trago da menina. Os dois sorriem quando os seus olhares se encontram, mas respeitam o tempo do cigarro.

Primeiro ele, depois o beijo.



quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

fluido

vem, se achegue, meu bem
e me conta um detalhe qualquer
que eu ainda não saiba sobre ti

quero alimentar esse nosso amor
e beber mais e mais de ti

serve um retalho qualquer
uma partícula que seja

é que faz muito calor aqui, agora
esse verão tá de doer, tá de lascar
então vem você aqui me regar
e me deixa te regar de volta

não me deixe evaporar de ti, meu bem
que eu não te deixo evaporar aqui também

sejamos líquido um no outro
balançando e dançando
nos misturando e nos tornando
um só


Já era, era amor

Ele sabia como fazer o negócio. Sabia muito bem. Desde o começo, a envolveu com o seu sorriso de boca fechada e com os olhos que a comiam ardentemente, desde a primeira vez que a viu. De início, ela se sentiu invadida e não gostou, quis que ele se afastasse, que a deixasse ir. Não quis dar intimidade. Apesar disso, ele persistiu e, aos poucos, embora continuasse se sentindo invadida, começou a gostar disso; foi desarmada, se rendeu.

 Ele a fez implorar, pedir por favor. O rapaz queria conversar por horas e horas, mas ela já estava ficando louca com aquela espera; com aquela delonga; com aquela demora. Estava virando um suplício para ela. A menina já havia imaginado todo o filme dos seus corpos entrelaçados. Queria que ele a consumisse, a penetrasse, a desvendasse e a mostrasse tudo o que ela poderia ser e ainda não sabia.

Ela não era virgem, mas ainda assim perdeu muitas virgindades com aquele homem. Ele a mostrou seu próprio corpo, seus próprios gostos, os seus detalhes e retalhos. Ela sentiu, através dele, o seu próprio sabor. E gostou. Muito. Via a cena como se fosse uma mera observadora no recinto. Via o seu sorriso estampado, entre gemidos, de olhos fechados. Mãos para o alto, dedos entrelaçados à cabeceira da cama, segurando a madeira firmemente.

Ele foi suave, gentil. E completamente diferente de todos os outros. Ele a olhava nos olhos durante toda aquela luxúria. As suas mãos eram fortes, seguras, sabiam exatamente onde ir e como agir. Ele a disse que sabia que ela não estava acostumada a sentir tanto prazer, e que aquilo era só o começo. Disse também que ela levava jeito pra coisa e que ainda ia fazer muito marmanjo sofrer nas suas mãos. Ele quis dizer entre as suas pernas, mas não quis ser deselegante.

Deselegante, afinal, era tudo o que ele não era nenhum pouco. Era elegante em tudo: na fala, na linguagem corporal, no sorriso, nas piadas, no toque e até mesmo nas inseguranças. A princípio, ele as escondia muito bem. Mas, de pouquinho a pouquinho, ela sacou que a segurança dele era aquela segurança tipicamente adolescente, que funciona como uma máscara para esconder todos medos e a imensa dificuldade de entregar-se. Ela sacou, mas achava graça, achava bonitinho. Estava tão envolvida que não conseguia ver nenhum defeito naquele homem. Tudo, sob seu olhar, virava peculiaridade, aptidão, capacidade e, portanto, qualidade.

Ele é um cara que tem uma linha de funcionamento na cama. Tem ordem, tem planejamento. Sabe o que vai provocar, o que vai fazer sentirem com cada gesto, com cada toque. Com certeza, ele deve fazer muito sexo. Todas as meninas devem querer. Todas devem ficar assim, que nem ela ficou. É um homem que, por detrás dessa máscara, tem medo. Provavelmente, arruma muitas conquistas para lutar contra esse medo. É isso que ele faz da vida, faz amor; faz com que todas fiquem caidinhas por ele e, assim, ele alimenta o seu ego e joga os seus medos pra debaixo da cama. Parece funcionar, mas nem tudo que parece é.

Ela deixou o seu corpo ser o que ele queria ser. Permitiu que ele buscasse, que ele encontrasse, que ele fosse exatamente o que ele era e nem sabia, e nem podia. O quadril, liberto. As unhas cravadas nas costas dele. Os cabelos descabelados, e belos. O corpo arrepiado, molhado. A boca seca. Puxava os seus cabelos, beijava o seu pescoço. Como se fosse morrer logo em seguida. Como se fosse a primeira e, ao mesmo tempo, a última vez. Aquele momento lhe pareceu o ápice de toda a sua vida. Mal sabia ela que depois dele ainda viriam muitos outros. Pensava que não, que se tratava de uma química linda demais para que se repetisse. Nunca mais aconteceria, julgava a mulher. Mulher que ela estava se tornando justamente naquele momento.

Quando os dois acabaram, ela se entregou ao colchão deitada, rendida, embeiçada, enamorada. Ao lado dele. Ficou olhando para o teto por alguns segundos sem entender bem o que tinha acabado de acontecer. Ele, carinhosamente, virou o seu rosto para ele e mergulhou os seus olhos nos olhos dela por minutos e minutos, sem pressa. Ela ficou surpresa que ainda estava viva, que aquilo era real. O frio alcançou o seu ventre mais uma vez e a sensação era de que várias borboletas estavam voando de um lado para o outro, fazendo altas acrobacias áreas, tudo dentro dele. Ela sentiu medo de que aquilo acabasse, e se não fosse recíproco?

Decidiu abandonar aquele pensamento, sabia que não era hora disso. Fechou os olhos e o beijou, tirando todo o seu fôlego. Ele tremia, também estava no mesmo transe que ela. Ela pediu mais. Agora que havia experimentado, não queria mais largar o osso. Ele ficou feliz de realizar o desejo dela. Esse e tantos outros. Todas as vezes, ela achava que ia morrer. O coração fazia que ia sair pela boca. Mas não saía, tudo se mantinha sob controle. Bem, pelo menos todos os seus orgãos e suas funções vitais. O mesmo não podia ser dito sobre as suas fantasias e os seus sentimentos.

Seguidamente, conversaram por horas. Falaram sobre o sentido da vida, sobre mortes difíceis que enfrentaram, sobre alguns bons amigos que cada um carregava na memória, sobre realização profissional e tudo o mais. Já eram íntimos um do outro, num instante. Em meio a uma pausa, os dois dormiram. Abraçados, enlaçados, entrelaçados. Ela sonhou muito naquela noite, mas mal se lembrou quando acordou.

E os dois acordaram juntos, lado a lado. Fizeram cafuné um no outro e se amaram mais algumas vezes antes de tomarem coragem para se levantarem. Nem escovado os dentes eles tinham, mas isso não prejudicou nenhum pouco os beijos. Muito pelo contrário. Ela disse que precisava ir. Ele discordou. Ela sorriu, com os olhos e com a boca. Ele sorriu de volta e a envolveu em seus braços por trás, enchendo o seu pescoço de beijos, repetidamente. Ela arrepiou e os dois se amaram mais uma vez antes dela sair pela porta da sala.

E ele, esperto que é, estava completamente certo desde o princípio: aquilo tudo era só o começo. Ela ainda entraria e sairia muitas vezes por aquela mesma porta. Os sorrisos se tornariam familiar e cada pedacinho dos seus corpos também. Já era, pois era amor.