terça-feira, 14 de agosto de 2018

você, destituído


não sou um filme pornô,
nem me interessam os seus desejos
de me objetificar
de tudo que é ângulo, de tudo que é canto,
travestindo-me de lolita e me dispondo
para você penetrar meus buracos e mente
se apossando do meu desamparo e apelo
e chamando tudo de amor;

minhas partes íntimas não estão à sua disposição
e todas as minhas partes são íntimas
e o que tem dentro também,
radicalmente íntimas

minha voz também é íntima,
privada, própria, pessoal;
e não quero mais me dirigir a você,
você escutou bem?

encontrei um martelo pelo chão
e estou destruindo cada partícula dessa ponte perversa
que me ligava a você

não encoste em mim, não quero ouvir um pio seu;
espero que tenha aprendido algo dessa história inteira
que, para ser inteira, tomou-me tanto:
tantos pe-
da-
ços;
que me deixou em carcaças, queimada, em carne viva
às custas dos seus caprichos,
da sua imagem,
da sua punheta

e você chamou de amor
mesmo eu dizendo que doía

hoje, sei que o amor não é você
sei que não é tudo sobre você,
hoje, não giro em torno de você
e sei que eu não vim ao mundo para te agradar
para que você, grato, me desse um lugar
ainda que esse lugar doesse
e não tivesse a minha cara
e fosse inóspito
e que nele eu tivesse que temer o tempo todo
o seu abandono
a sua desistência
o seu julgamento
a sua ira
e suas mãos ajeitando o meu decote
ou as suas falas dizendo que eu não podia isso ou aquilo
repletas de máscaras de carinho
"por preocupação"

"o que é meu, é seu; é nosso",
e você anunciava a proteção
de uma segurança claustrofóbica e terrorista;
os termos mentirosos de um contrato leonino
que regia os usos do meu corpo
cheio de letrinhas miúdas
e eu, míope que sou,
confiei cegamente
que aquele papel falava de amor

não,
o que é seu não é meu,
como eu sempre te disse;
e o contrário também se aplica:
o corpo é meu, as regras são minhas
e isso não é só um ditado pra você repetir
esquerdomachamente nos carnavais pela cidade;
e as invasões não mais serão toleradas

o que é seu não é meu,
e eu não começo onde você termina
eu vou além, me esparramo
em dimensão independente,
desconectada,
em plano outro,
em pele e matéria estranhas a você

você não dita minhas linhas,
meus limites,
meus gostos,
meus possíveis;
você não é minha fronteira
e não determina minha jurisdição
nas minhas terras;
pra falar a verdade,
você nem conhece minhas terras
e não tem visto para visitá-las;

você não dita mais nada
e eu nem faço mais ditado,
já sei muito bem escrever

já não choro mais na cama
ao seu lado, enquanto você dorme
e ronca e sonha
plenamente confortável
com a dor que me infringiu

assim como você,
aprendi a dormir confortavelmente
e não te apelo mais nada
(a não ser silêncio,
o único gesto de respeito
que eu exijo de você)

eu funciono apesar de você.

- eu não temo mais você.

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