terça-feira, 31 de julho de 2012

tempero

sinto como se meus ossos
tivessem sido
soldados
com chumbo

é que o peso da vida
insatisfatória
tem me
incomodado
bem mais do que o habitual

talvez o meu genitor
aquele cara grisalho nos
poucos fios de cabelo que
lhe restam
bem esteja certo
realmente
eu nunca esteja satisfeita
- a palavra não faz parte
do meu vocabulário 
prático

mas não deixo de me perguntar
se eu deveria mesmo
satisfazer-me

a custo de que, genitor?
de me acomodar
e me adestrar a encontrar
satisfação e realização com
meios e ocasionais
sorrisos, danças,
canções e orgasmos?

eu gosto de vento na cara
de gente, de pele
de terra, de bicho
de solidão, de mim
de tudo em dose alta, bem forte

- capricha na pimenta, garçon
e pode trazer a caipi com bastante vodka

é isso que me move, que me mantém

segunda-feira, 30 de julho de 2012

sussuro


o cd da billie holiday ta rolando bem alto logo ali no som do quarto e eu to bem aqui na minha cozinha americana (adoro essa idéia de cozinha americana, por sinal, quem inventou isso é um gênio) abrindo mais um vinho tinto pra nós dois. dessa vez, ele é suave - o anterior era seco, conforme combinamos, já que você é mais fã desses, enquanto eu prefiro aqueles. assim, resolvemos sempre revezar.
minha fala já ta tardando um pouco, estou emitindo os sons mais lentamento do que penso fazer em minha mente e acho graça disso, acho gostoso ver as minhas idéias começarem a se embaralhar em em.. agora mesmo ri de alguma coisa que você disse e me esqueci de uma outra que eu tava louca pra te dizer, droga. te digo isso e você me dá um risinho gostoso, me puxa pra você, me envolve em seus braços e diz bem baixinho no meu ouvido direito: "sem problemas, você me diz quando lembrar".
e, lá no som, começa a tocar blue moon - perigosa..
nossos olhares se encontram; no ar, faz aquele silêncio apesar da música em bom som e eu desvio o meu meio tímida e tomo um gole grande do vinho sem nem pensar.
você levanta do banco e me envolve de novo com seus braços, dessa vez arriscando um passinho pra lá e outro pra cá. eu trato de aceitar o convite da dança, ainda segurando a taça, e deito minha cabeça no seu ombro, me encaixando gostoso e sorrindo toda por dentro..
eis que você, de repente, me surpreende acompanhando a musa na canção:
  
"...and then there suddenly appeared before me
the only one my arms will ever hold
i heard somebody whisper, "please adore me"
and when i looked, the moon had turned to gold..."
e aí eu te olho sapeca de baixo - pela diferença de altura - e a gente se beija, meio caindo e meio se jogando no chão, e rindo, como sempre.
então, seu braço direito foi deixando de me envolver pra que sua mão pudesse se concentrar em ir subindo o meu vestido preto e baixando a minha meia calça de pois.
e eu, derrubei no chão a taça com o vinho que tanto adoro e nem liguei.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Desaparafusada

Chéri,
mon appétit
de toi
cresce cada vez mais

Parece que você
tirou de mim todas as minhas papilas
gustativas
e guardou tudo só pra você
egoistamente
de forma que eu
maintenant
fiquei desprovida de tal importante sentido
cadê meu paladar, seu doido?
já nem sinto mais os gostos alheios

Além disso,
você passou batido,
mas acho que levou
contigo,
além de tais papilas que me fazem uma falta tamanha,
talvez na nécessaire junto com sua pasta e escova de dente
do lado direito da mala
bem esmagadinha
alguns vários parafusos meus
me diz, e o que eu faço agora?
agora ta tudo solto e perdido por aqui!

Você ri quando eu te digo isso,
quando reclamo do estrago que fez em mim,
mas só pode ser, chéri!
o que mais explicaria?
se eu não to doidinha, eu to o que?

Você não fica pra trás na loucura
e sabe que bem foi isso que me atraiu
em toi..
ah, e o seu francês e italiano falados tão bonitos, claro
que foram responsáveis pelo meu derreter
por inteira

Esparramada, te observava
guardando em minha mente
o quão inacreditável você parecia

E eu nem gosto de cigarros
eu chego a detestá-los
inclusive, vivo implicando
com todas as pessoas queridas por mim
que cultivam tal hábito,
sou uma chata pedindo para que todos abandonem o vício

E lá tenho os meus motivos pra isso
como já te disse, por sinal,
mas os seus combinavam tanto contigo
e até gostei do sabor deles em sua língua
- antes de você levar de mim as minhas papilas gustativas, claro -
e o cheiro deles nem chegou a me incomodar
é que vocês mesclam bem
sabor, cheiro e corpo
e nós, melhor ainda

Outro dia,
você,
charmant,
depois de ter confessado
o seu ato criminoso
entre risos,
como se isso fosse alguma espécie de brincadeira,
me perguntou se eu queria
que devolvesse
os meus faltantes parafusos
que agora estão por aí
na sua mesinha de cabeceira
do lado do seu relógio
entre o cinzeiro
a taça com um restinho de vinho de
ontem à noite
e o pacote de camisinha

Eu só ri
e fiquei pensando na resposta
porque,
ao contrário do que parece,
ela não é tão simples assim

Será que eu quero?

Por um lado,
devo estar dando uma de maluca agora
me entregando assim
você pedindo apenas a minha mão
e a beijando
e eu entregando logo tudo:
os braços apressados
o pescoço torcido
a boca salivando
as pernas entrelaçadas
o abdômen
as coxas
e todo o resto

Por outro,
que chato estar toda aparafusada!
perco a mobilidade,
uma vez que a previsibilidade
- essa chata -
toma conta de mim
se instalando por inteira

Mal posso me mexer,
os parafusos não me dão espaço!
não permitem uma abordagem diferente,
um abraço um pouco mais requintado
ou uma curtição fora dos padrões

Os parafusos me prendem a uma espécie de cardápio
como se eu tivesse apenas algumas opções
tanto para servir quanto para ser servida

E o meu restaurante
repleto deles
não cozinha nada que esteja fora do cardápio
e com muita dificuldade, por sinal,
se consegue trocar o arroz branco
por um arroz de brócolis

É porque vem tudo bem planejado, contadinho, sabe?
as compras, os garçons, as reservas, as bebidas
e tudo mais
são todos calculados

Não é assim como os clientes pensam que é
uma troca simples
é bem mais complicado do que parece, entende?


Mas...
sem os benditos parafusos,
sou outra
e meu restaurante não tem regras
nem a minha casa
nem as minhas roupas
nem a minha pele
nem a minha fala
e muito menos
as minhas coxas
boca
dentes
e vontades

Sem estar regrada,
funciono como bicho
apenas sigo os meus instintos,
meus desejos

Mais do que seguí-los,
neles me transformo
e faço o que eu tiver afim e pronto

Afinal, acho que dispenso os parafusos
você nem saberia colocá-los de volta, saberia?
pelo menos não sem machucar-me
como você pensa em devolvê-los a mim?
pensa em martelá-los?
isso é loucura!
pois que não os roubassem então!
imagina se eu aceitaria que você martelasse
meia dúzia de parafusos em mim...
não estou desaparafusada e louca o suficiente para permitir tal contra-senso!

E você sabe bem que só não os aceito de volta
exclusivamente porque
o processo de devolução seria deveras doloroso, não sabe?
não tem nada a ver com a mobilidade que você me mostrou que eu tinha, espero que esteja consciente disso
muito pelo contrário,
sou muito certinha e prezo muito pelas regras,
apesar de um bocado irônica

Pois que pensasse antes
de, enquanto eu dormia,
me desregular toda
agindo com tal dolo
e ainda por cima
me acordar balançando-me
como um louco!
chacoalhando minha cabeça toda
como quem quisesse realmente
garantir tamanho estrago

Depois me beijastes com todo o fogo que tens
dentro de ti
e me deixastes na cama
com o cabelo bagunçado
semi-nua
vestindo apenas aquele sutiã preto
rendado
e uma blusa social tua toda desabotoada
porque a calcinha você já tinha tratado de tirar
mais cedo
enquanto eu dormia
pra me despertar daquele jeito

E me deixastes assim
clamando por mais
mais de ti e mais de nós
toda desamparada
e desaparafusada
onde já se viu isso?
que desplante!

E fostes!
simples assim
me deixou chupando o dedo
toda doida
doida toda
esperando por toi,
le charmant

terça-feira, 3 de julho de 2012

tânia

- A Tânia, sabe?
aquela morena dos longos cabelos negros
a audácia em pessoa
falada por todo o bairro
simplesmente não há quem não repare
Ela é desejada por todos
está sempre cercada de suspiros
e olhares
E, ainda assim, tão solitária
Quando chega em casa e joga as roupas
pelo chão
aumenta o som
e entra naquele banho
gostoso
deita no box
e observa a água caindo
em seu corpo
viajando por suas
curvas
respira fundo
relaxando pela primeira vez
no dia
Quando enfim acaba,
deita nua na cama
afinal
pra que roupas quando se está sozinha em casa?
E se põe a sonhar
acordada
em meio a suspiros e gemidos
não com um príncipe encantado daqueles
que querem fazer todas as suas vontades
pagar todos os seus luxos
e fingir que escutam todos os seus problemas
só por quererem se
apossar
de um pouco daquela sua beleza
tão grande, mas tão passageira também
Ela quer é um cabra macho
e é com ele que Tânia sonha acordada
alguém que não a trate como porcelana
que a segure pela cintura
que a puxe pra ele
e mande bastante em vez de
só obedecer