sexta-feira, 11 de maio de 2018

Onde não existe tempo

Entrei no plano da eternidade sem tempo
Como se o tempo tivesse subitamente se convertido
em algo infinito;
Como se eu tivesse perdido num instante,
de um segundo para outro,
a capacidade temporal
Não há mais passado, presente
ou futuro
O que existe é a quebra disso tudo,
a grande dor que me faz fazer coisas,
atuar, me mexer,
correr para qualquer direção;
me machucar, me exaurir, me punir,
me furtar:
qualquer dispêndio me interessa.

Procuro mentiras sinceras,
incessantemente
E elas estão por todo lado
Mas o problema sou eu,
que não acredito nelas
Nem por um segundo as permito como moldes
Nem por um segundo eterno
Ai, que bom seria, me abraçar a algo,
confiar que algo existe

Mato-me para não morrer
Para não perder o resquício de tudo o que já foi
Pago com o corpo, e pago caro

Deito entre os defuntos
Para ser poupada
Mas o terrorismo se mantém
Porque eu bem sei
Que ainda tenho a perder
Apesar de já me doer toda
Antes mesmo disso

Aqui onde não existe tempo
E o passado, o presente e o futuro coexistem
Aqui onde não se faz história
Onde não se conta nada
Onde eu não sei o que sinto
Onde pareço sentir tudo
Onde penso que perdi tanto
Sem nem saber o que ou para que
Servia
Sem entender a falta que isto que eu não conheço
(ou que não dou conta de representar)
me faz

Me dizem "pois doía"
Agora acabou, se supõe
Contam-me coisas estranhas
Palavras voam, correm
Por vezes, gritam

Meu corpo esfarela na cama
Minha atenção se esfarela quando leio
E onde moram os farelos? O que fazer com eles?

Parece-me que seria preciso juntar farelos, criar um corpo
Com que vigor? Com que pretexto?
Por onde começar? O que justifica?

Nego a realidade.
Até quando?
Será que em algum tempo ela não será
tão penosa?
Algo do qual eu precise tanto fugir?

Canso-me de ser louca
Canso-me de não reagir
de outra forma

Canso-me das minhas formas
Na verdade, sinto-me desforme
Deformada
Esfarelada
Voando aleatória
Piscando e entrando pelos olhos
Sujando os cômodos

Virei poeira aos olhos de
quase todos

Mas uns pingados
Dizem-me outra que não pó sujo

Dizem-me brilhante, vasta,
amor

E eu vejo um pó sujo
Que nem serve para chá
Sendo que nem gosto de chá

Sobrevôo
Espero não atrapalhar
Não grudar pelos cantos
Não furtar vista alheia
E, em algum canto por aí,
Simplesmente
Descansar
(a morte salva)

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