CARTA ABERTA AOS ARTISTAS BRASILEIROS
Como disse Andre Borges Lopes na sua carta que fora publicada no blog do jornalista Luis Nassif e dirigida aos que ainda sabem sonhar, nós há muito havíamos desaprendido a. Temos visto os maiores absurdos acontecerem diante de nós há décadas e o máximo que fazemos é reclamar dos políticos numa mesa de bar, entre uma cerveja e outra. Nos chateamos e depois vamos pro samba, pra praia, pro estádio torcer por nosso time do peito, pro bloco de carnaval e por aí vai. Nossa geração é especialista em jogar as coisas pra baixo do tapete - ou foi especialista nesse defeito até então.
Finalmente, como num último suspiro, parece que 20 centavos podem realmente fazer a diferença. 20 centavos parecem ter - enfim - despertado a nossa revolta, que há tanto tempo estava sendo cutucada com escândalos de corrupção, violência, má administração dos recursos públicos e falta de condições mínimas para que a grande parcela da população do nosso país viva com dignidade. E, apesar de tantas e repetidas cutucadas, a nossa revolta parecia ainda sonolenta. Mesmo com toda a claridade e barulhos estridentes entrando pela janela, nós cismávamos em continuar dormindo, desperdiçando a energia e sonhos típicos da juventude pelo mal da descrença.
Contudo, temos visto e sentido na pele que ainda há esperança. Ainda há esperança porque onde há vontade de mudar, há possibilidade de. Depois da nossa geração ter crescido restringindo as nossas (já poucas) reclamações às conversas entre amigos e a manifestações na internet que se limitavam a compartilhar fotos e palavras de efeito, parece que, como num clique, colocamos a cabeça pra funcionar e, finalmente, decidimos pensar, criar, trocar idéias e, já com a bagagem cheia de sonhos, demandas e esperança, ir às ruas para exigir nada mais do que o mínimo que merecemos, nada mais do que o mínimo de tudo o que temos direito. O despertador tocou e nós acordamos com tudo, tomados por uma inquietação e revolta tardias. Mas antes tarde do que nunca, não é mesmo?
A questão é que não tem sido fácil. As manifestações estão sendo violentamente reprimidas. O que ganham os manifestantes que tem caminhado, juntos, pedindo nada além de uma arrumação decente pra esse país já há tanto tempo maltratado, no qual os políticos, em sua grande maioria, se preocupam muito mais em vender a idéia de um país do futuro - vide os rios de dinheiro gastos com obras para a Copa e as Olimpíadas - do que em realmente colocar a mão na massa para combater a miséria, a desigualdade social gritante e a falta de oportunidades que assolam tantos e tantos brasileiros? O que tem ganhado esses manifestantes? Bombas de lacrimogênio arremessadas entre os gritos totalmente pacíficos que clamam pelo direito de nos expressarmos nas ruas "sem violência!"; balas de borracha nos olhos de repórteres, jornalistas e fotógrafos; prisões completamente absurdas com a alegação de que os manifestantes estão cometendo o crime de formação de quadrilha. E aquela tal de liberdade de expressão, o que é isso mesmo? Só um mero detalhe da democracia a qual dissemos por aí ter alcançado, não é? Um mero detalhe que pode ser ignorado sempre que convém. Mas não, dessa vez não. Cansamos.
A truculência policial está aí para nos mostrar que realmente é hora. Pra nos mostrar quão frágil é a nossa democracia. Pra nos mostrar que a nossa revolta não pode mais ficar adormecida, que precisamos de uma limpeza geral na nossa nação e que não podemos mais nos esconder por trás do nosso individualismo e colocar a culpa "do nosso país não ir pra frente" nos políticos que nós mesmo elegemos a cada eleição. Tudo o que temos, há anos, acompanhado sentados em nossos sofás, certamente dói em todos nós, ainda que em alguns mais diretamente e em outros menos, mas a nossa revolta, enfim, foi acordada por um aumento de 20 centavos - revolta essa que, claramente, não é fundada apenas nisso. Chega a ser engraçado o discurso de quem nos ataca com essa alegação, afinal quem dera o nosso único motivo para revolta fosse o aumento de preço do transporte público, não é? O importante é que agora sabemos que onde quer que estejamos, podemos sim ser mais fortes, basta acreditarmos e sermos uníssonos: um só som, um só coração, uma só nação. Precisamos fazer tudo que podemos fazer e nem sabíamos.
Para essa luta verde e amarela, eu convido os nossos artistas, tão importantes historicamente em nossas lutas sociais. André Malraux, um escritor francês, disse uma vez que "a cultura, sob todas as formas de arte, de amor e de pensamento, através dos séculos, capacitou o homem a ser menos escravizado" e, é justamente com essa visão, que convidamos vocês, tão influentes sobre nós e sobre todos que possuem sangue brasileiro correndo nas veias, a se manifestarem e a ajudarem o nosso povo a ser menos escravizado! Precisamos, de uma vez por todas, lutar contra essa classe política incapaz de fazer a única coisa que precisa fazer: nos representar. E precisamos de vocês. Caetano Veloso, Chico Buarque, Wagner Moura, Gabriel O Pensador, Gilberto Gil, Ferreira Gullar, João Cabral de Melo Neto, Falcão, Veríssimo, TODOS, precisamos de suas vozes no nosso coro por um novo Brasil!