segunda-feira, 6 de novembro de 2017
(in)fertilidade
distraída,
sou transportada pra cuba com usted
volta e meia
cores, ruazelas, música e daiquiri
bike, risos, sol e cervezas
beijos, sexo, olhares e promessas
entre cancháncharas que não acabavam mais
(sempre tinha espaço para mais uma dose)
você, feliz, como eu não via há tanto tempo
as brigas se esvaíram, não tinham mais razão de ser
éramos parceiros e amigos
(e o sexo seguia quente)
mas tanta coisa se quebrara
antes disso, bem antes
não sei bem quando ou como
sei que me sentia com os pedaços colados
um no outro
após as quedas
porcelana se cola, mas não volta a ser a mesma
vidro mal se cola, pois quebra em pedaços muy pequetitos
e eu, minha matéria era colante?
após as quebras, ficava como?
eu sabia que os pedaços onde eu quebrei-me
não eram restauráveis
quebrei lá no fundo, não foi na superfície
e a nossa velha discordância se fez presente aqui:
ao contrário de você,
não acredito em tapetes;
embaixo-do-tapete não me cura
de nada
demorei a assumir essa falha maquínica
mas as minhas máquinas desejantes viviam me dando porrada
e a angústia, me esfaqueava
de tempos em tempos
eu sentia que cê olhava e não me via
e, às vezes, nem isso
nunca entendi bem o que cê queria
de mim
(ou melhor, comigo)
cê me disse várias vezes,
eu repetia a pergunta
não convencida pelas respostas quocê me dava
sua presença me era rarefeita
via você indo pra longe o tempo todo
ficar, que é bom, era raro
mais tarde, nos últimos tempos,
quando cê ficava, eu ia
era triste de ver
(eu já estava sem reparos,
mas não queria
nos des-
fa
-zer)
cê era lindo, afinal,
bom moço, diriam
(eu mesma diria)
parceiro e família
(mais do que a minha própria)
mas e aí?
eu sabia que eu não podia existir ali
precisava viver colando pedaços, migalhas, espaços
quanta energia!
vivia com medo da próxima queda,
da próxima quebra
além disso, vivia tendo que podar meus ramos
que procê eram de ervas daninhas
e eram pragas na sua floresta
podar machuca;
podar o que se ama, mais ainda
e eu podava meus ramos, que pra mim não eram pragas
eram o contrário, as tortezas que eu amava em mim
talvez tenha faltado confiança na torteza alheia
acho que nossas tortezas
- tudo aquilo que saía do script -
incomodava muito o outro
(as suas também)
a gente tentou higienizar a relação,
já que confiança na torteza não existia
"evitar danos" era um lema;
"nunca esqueça, gabi, nunca se colocar em risco"
- eu mesma me repetia
mas segurança e amor me são distantes,
enquanto pra você parecem ser sinônimos
não existe errado nem certo,
é claro
mas eu nunca amei pela escrita em linhas certas;
eu amo pelos borrados, pelas tortezas
e mesmo com você foi assim
no início, via tantas tortezas
queria sublinhá-las, colocá-las em negrito
num caldeirão imenso, pra que nascesse coisas loucas dali
inesperadas
(um livro, um grito, um abraço inesperado,
um sorriso sincero e desavisado
ou qualquer coisa outra, sua
que me tirasse do eixo)
queria ver-te vivo
pelas borrados
sambando de tortezas
(eu via tanta potência)
aos poucos, cê me disse pra não mexer
"fica imóvel, tá funcionando"
em time que tá ganhando não se mexe, é o que dizem
mas sem mexer
apodrece
aos poucos, senti que você valorizava linhas retas
e gostava quando eu escrevia sem rasura
sem borrar
eu tentava fazer, podando lá e cá
mas as tortezas foram ficando de lado
(confesso, até me esqueci delas num certo momento)
no entanto, as máquinas desejantes gritaram
me dizendo que desejo é indomável
que a vida é movimento
que amar é risco
pois engloba o risco de perder
se os movimentos cessarem
ou, existindo, não se conjugarem
eram tantos riscos e poréns
num instagram impecável
e eu tinha em mim
uma parte que via tudo assim
cintilante,
que nem as águas da playa pilar
eu não queria colonizar suas tortezas
de volta
mas eu sabia que a gente não tava se encontrando nas nossas
nas tortezas permitidas
as podadas, então, nem se fala
do quanto não deixávamos de fazer
e ia pra conta do outro
(e a conta acumulava,
seguia ganhando zeros)
talvez cê nunca entenda das minhas tortezas
e talvez seja justamente por isso
que eu não me sentia amada
(naquilo que me é amável em mim e, portanto,
me é fértil)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário